terça-feira, 30 de agosto de 2011

Exposição de Letícia Parente - Grupo 2

Por Rafael Ricardo Meliande Soares, Mariana dos Santos de Andrade,Beatriz da Costa de Sá, Fernanda Assis Carvalho e Guilherme Ramalho de Melo.

  A exposição de Letícia Tarquinio de Souza Parente, no espaço Oi Futuro, proporciona um contato e uma experiência intensa com os principais trabalhos da videoartista. Dessa maneira, nosso grupo optou por discorrer sobre as obras cujas imagens e mensagens transmitidas mais nos impressionaram. São elas: “Marca Registrada” , “Tarefa I” e “Preparação I”.

Marca Registrada

Foto divulgação
     A obra começa com a câmera focada nos pés da artista caminhando. Em seguida, as pernas se cruzam, deixando em destaque, como foco da câmera, a sola do pé. Dessa maneira, com o auxílio de uma agulha e linha de costura, começa a parte clímax do vídeo, com a costura da frase “Made in Brasil” na própria pele de Letícia. A princípio, gera-se um choque momentâneo e um questionamento sobre essa expressão inusitada. No entanto, após analisar todos os elementos da conjuntura da obra, principalmente o contexto em que foi executada, é possível captar a mensagem transmitida.
De início, é importante ressaltar a data do vídeo. Foi gravado em 1975, momento histórico brasileiro marcado pela Ditadura Militar. Esse período é caracterizado pela abertura da economia nacional ao capital e às indústrias estrangeiras, acarretando uma diminuição significativa de indústrias e produtos genuinamente brasileiros. Soma-se a isso, a tentativa dos militares de criar um falso nacionalismo, com uma identidade brasileira cada vez menos brasileira. Nesse contexto, com a entrada desenfreada de produtos e a forte influência da cultura, principalmente, norte-americana em nosso país, Letícia faz esse belíssimo grito de protesto, sintetizado nos 9 minutos de seu vídeo.
Como primeira análise, é fundamental notar o local escolhido por Letícia para se costurar. Ela opta pela sola do pé, ou seja, a base de sustentação de qualquer indivíduo. Por conseguinte, a frase é outro aspecto relevante a ser observado. Significa “feito no Brasil”, porém escrita em inglês, fazendo alusão à influência da cultura estrangeira na nossa cultura. Além disso, a frase sugere um processo de pertencimento e coisificação do homem em relação à terra em que pisa, ao local onde vive.
Desse modo, conclui-se que Letícia queria nos mostrar que se vivia em um país marcado pela falta de uma identidade, inundado por influência de culturas estrangeiras, de forma a sufocar nossa própria cultura, tornado-o estranho a nós mesmos. Com isso, restava de genuinamente brasileiro apenas o corpo dos próprios cidadãos, único elemento resguardado da invasão do estrangeirismo na pátria mãe.


Preparação I


  Ao iniciar o vídeo, a artista posiciona-se em frente ao espelho do banheiro e começa sua preparação para sair. Surpreendendo o espectador, Letícia cobre a boca com um pedaço de esparadrapo e desenha uma boca sobre o mesmo, com o auxílio de um batom. Em seguida, cola um esparadrapo sobre o olho direito, e usando um lápis de olho traça sobre a parte coberta um olho aberto. Realiza o mesmo procedimento no outro olho. Por fim, ainda em frente ao espelho, a artista ajeita o cabelo, pega a bolsa e sai.
Foto divulgação
O ato de se maquiar para sair não passa de uma ação cotidiana simples para uma mulher, mas nesse vídeo a artista o faz não do modo convencional. Após analisar a obra percebemos que ocultando boca e olhos e desenhando substitutos, Letícia reproduz o vestir de uma máscara. Por conseguinte, entende-se que na verdade ela não se prepara apenas para sair de casa, mas principalmente para encarar a sociedade. O uso da maquiagem que supostamente deveria evidenciar a beleza feminina, foi usada para mascarar a mulher. A boca silenciada e os olhos vendados simbolizam o contexto político-social da época.
Produzido em 1975, o vídeo ilustra a maneira como as mulheres tinham que se portar em meio à ditadura militar, regime regente de 1964 a 1985. Sob o governo dos militares, esse foi um dos períodos mais conturbados da história do Brasil, marcado pela desorganização, falta de democracia, supressão de direitos, perseguição política e repressão aos movimentos de oposição ao regime. A liberdade de expressão era quase inexistente; havia muita censura aos meios de comunicação e aos artistas. Métodos violentos, tortura, prisão e exílio, eram usados contra quem se opusesse.
Nesse contexto, fica claro que a censura à fala e até mesmo à lucidez obrigava as mulheres a vestirem máscaras que as calassem e vendassem para sair além dos limites de suas casas. Desse modo, o rosto postiço serve para evitar a liberdade de expressão, principalmente a feminina. Letícia - aqui representando a mulher brasileira - não pode enxergar da forma que quer, nem falar o que pensa. Ela se prepara para agir da maneira como a sociedade espera que ela aja.
A obra, que conta com três minutos e meio, é uma tentativa de transgredir as tiranias da época, por meio da arte. Através dela, Letícia expõe a compreensão que se fazia da posição da mulher na sociedade, em um período de submissão aos códigos sociais. É a reificação do corpo feminino. Ao final, muda e cega, a identidade feminina se perde. Só a partir desse momento lhe é permitido sair de casa, sob a vigilância da sociedade, representando o papel que lhe foi destinado.


Tarefa I

  A casa, o corpo e a arte. Em Tarefa I, Letícia se deita vestida em uma tábua de passar roupa diante da sua empregada doméstica que tranquilamente passa a ferro a patroa. O rosto da serviçal não aparece, apenas seu movimento habitual, contínuo e repetido, sobre uma situação inabitual, fora do comum. Aquilo que transmite ser uma tarefa corriqueira, refaz os paradigmas entre patroa e empregada e entre roupa e corpo. Muitas vezes, esses elementos se confundem, elucidando os contrastes e a beleza da obra. De início, Letícia e a roupa parecem se tornar uma coisa só. No trato com a empregada doméstica, ambas – anteriormente distintas – não fazem diferença separadas ou juntas. O relacionamento empregada-patroa, nesse caso, não vai além da passagem de roupa, como se não houvesse importância de Letícia estar dentro ou fora dela. A cumplicidade no relacionamento se mistura com a quietude da artista que permanece estática como uma roupa qualquer.

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