quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Exposição de Letícia Parente - Grupo 4

Letícia Parente enquanto artista é provocante, ousada e uma exposição com seus trabalhos não diferentemente atinge o público. Ao nos colocarmos nesta posição, várias foram as sensações e sentimentos que nos arremeteram.
A arte de Letícia é seu próprio corpo. Sua casa, seu armário, sua poesia: o corpo. Seu corpo tem costurado na sola do pé o lugar de onde veio: “Made in Brasil”. Foi através dessa escritura que Letícia nos expôs sua ousadia de protesto ao período ditatorial ao qual estava imersa. O estrangeirismo no “ser brasileiro”, a afirmação do orgulho nacional baseada em conceitos estadunidenses, o dever de ser marcado como brasileiro apesar das influências culturais de outros países. A obra grita contradição e incomoda, mas apenas por fora, apenas no lado do expectador. Pois a pele não parece sentir a agulha, ela cede calmamente à vontade da mão, como um bom apoio, como qualquer pano de fundo. “Made in” foi a forma utilizada para exprimir a inversão, ora voluntária, ora involuntária, que se fazia entre pessoa e objeto.
Os limites entre a casa e o corpo a sua extensão são explorados ao longo de toda exposição. Em "In", por exemplo, a mulher se guarda no armário como se fosse roupa. Ela encontra dificuldade e desconforto, mas continua mesmo assim, como se fosse uma parte da rotina - outro aspecto muito explorado pela artista -, como se fosse seu dever de roupa. Considerando a obra de Letícia, o ato de se guardar pode ser analisado como uma metáfora de tudo de nós que é guardado em nós mesmos. Dentro do armário de "Eu Armário de Mim", ela escondia e mostrava segundo sua vontade tudo que possuía, física e emocionalmente, aquilo que era ela. Ela objeto, pensamento, opinião, roupas brancas e roupas pretas, luz e trevas, bagunça, notícia, e tudo o mais que cuidadosamente selecionava fotografar ou somente deixar guardado num cabide dentro do armário de si. Fazendo-se roupa Letícia deixou-se ser passada ("Tarefa 1"), deixando para trás os vincos e apagando as marcas que a realidade social a sua volta lhe colocava.
Esse tom de crítica também aparece em “Preparação I”. Referências ao feminismo, à luta da mulher pela inserção na sociedade, são claras. A mulher cobre os olhos e a boca para sair de casa, e cobre como se esse fosse um ato cotidiano, corriqueiro, necessário. Se cega e se cala para poder conviver em meio aos que a eliminam. Ela mesma deve se anular e ignorar a própria anulação para poder sair como os outros. É possível fazer uma reflexão a respeito da obra e a própria maquiagem usada pelas mulheres. Não seria a maquiagem algo machista? Algo que obriga a mulher a se adequar a um padrão de olhos marcados e rostos rosados? Talvez, mas a mulher não enxerga isso. Não enxerga porque, após séculos de repressão, ela aprendeu a, realmente, tapar os olhos sozinha. 
À realidade também se fez necessária a prevenção. A vacinação foi a maneira encontrada por Letícia para, ao mesmo tempo, criticar e prevenir-se de males como colonialismo cultural, racismo e mistificação da arte e da política. Assim ela nos mostrou novamente seu lado corajoso, o da crítica e denúncia, e o temeroso, que a fazia querer manter-se distante e preservada dos mesmos males que denunciava e dos quais queria fugir ilesa. Cobras de duas cabeças representavam o perigo e a incerteza sobre sua volta à terra natal, mas Letícia contornou-as com sapiência e nos fez sentir o mesmo alívio que sentiu ao delas ter conseguido preservar sua essência, seu corpo.
Letícia Parente preservou o corpo, marcou-o e o usou como base e meio para se comunicar com a sociedade, com a ditadura, com cada um de nós. Desta forma, quando o corpo tornou-se arte, a arte o transformou.

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